''Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte?
Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude.
Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude.
Estou precisando.
Precisando mais do que a força humana.
E estou precisando da minha própria força.
Sou forte mas também sou destrutiva.
Autodestrutiva.
E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo muita gente.
E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele. Venha, Deus, venha.
Mesmo que eu não mereça, venha.
Ou talvez os que menos merecem precisem mais.
Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais. ''
Clarice Lispector
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